quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Papos-Cabeça... Músicas Incidentais

Já ouvi muito a afirmação: “O ser humano só valoriza o que não tem.”

Pode até ser verdade para muitas pessoas, mas comigo não funciona assim.
Se me dissessem que eu, por muito tempo, desprezei meus dons, minhas habilidades, minhas virtudes naturais, possivelmente eu concordaria. Mas as coisas que eu nunca possuí não circulam pela minha mente, não fazem parte do meu mundo, não são objetos de meu desejo.

Não sou do tipo que fica olhando a vida pela janela e achando que o bom está lá fora, nunca aqui dentro. Ao contrário. Há muito me voltei para dentro, em busca de uma satisfação com o que tenho e com o que sou. Reconhecendo isto como “a parte que me cabe neste latifúndio”. Resignação? Ausência de ambição? Sei lá.

Outro tema recorrente é a liberdade. Confirmando minhas idéias acima eu nunca liguei muito para ela. Explicando: Eu sempre achei que a liberdade estava lá fora, disponível a quem tivesse sido agraciado com ela. Se não estava na minha vida, do lado de cá da janela, não me pertencia e eu não devia com ela me preocupar, nem defini-la, nem imaginá-la. Como um “cogito ergo sum” pervertido: “- Não penso nela, logo não existe.”

O Bussunda tinha uma camiseta com os dizeres: “Liberdade é Passar a Mão na Bunda do Guarda”. – é engraçado, mas não é de todo verdadeiro. Não é simplesmente isto. É também assumir as conseqüências de atos como este sem sobrar para mais ninguém, além de você mesmo.

Exerce a liberdade quem está livre.

Livre de que? De grilhões de ferro disfarçados em compromissos, em acordos de restrições mútuas, em alianças, nos dois sentidos mais usuais desta palavra. Livre de laços com outras pessoas.

Não ter laços com outras pessoas significa estar só. Então, seguindo minha pobre e possivelmente equivocada lógica, liberdade e solidão andam juntas. Ao desejar a liberdade carrega-se de contrapeso a solidão. Ao rejeitar a solidão, perde-se a liberdade.

Mas a recíproca não é verdadeira. A solidão, como vilã, tem o direito de existir sem a presença da liberdade. Mas a liberdade, como um ideal, só é plena com a solidão.

Eu, sempre temi a solidão, embora a considerasse inevitável. É que ela vivia do lado de dentro da minha janela. Fiz dela minha inimiga. Tentei de tudo para livrar-me dela e provar para mim mesmo que eu estava enganado quanto à sua eterna e indesejável presença. Inventei de jogar sobre ela uma capa de invisibilidade. Mas, reconhecendo-lhe a existência, o fato de não vê-la não queria dizer que ela não estava ali.

O inevitável se cumpriu: “Sentimento ilhado, morto e amordaçado, volta a incomodar”!

Milton Nascimento e Ronaldo Bastos anunciaram que “nada será como antes”. Eis que surge um elemento inesperado: Pula para o lado de dentro da janela a tal da liberdade, companheira possível da solidão. E, pela primeira vez na vida reconheci que a solidão estava me trazendo algo de bom.

Fiz as pazes com a ela. Paradoxalmente fechei um acordo: “Fique à vontade, Solidão, afinal a casa sempre foi sua também! Mas, por favor, mantenha sempre aqui, comigo, esta Liberdade. É que, desde quando a conheci, eu fiquei encantado por ela.”

E para você Liberdade, eu canto...

“... Não se perca de mim
Não se esqueça de mim
Não desapareça
A chuva tá caindo
E quando a chuva começa
Eu acabo de perder a cabeça

Não saia do meu lado
Segura o meu pierrô molhado
E vamos embora ladeira abaixo
acho que a chuva ajuda a gente a se ver
venha, veja, deixa, beija
seja o que Deus quiser

A gente se embala
se embora, se embola
Só pára na porta da igreja

A gente se olha
Se beija se molha
De chuva, suor e cerveja”

É! O tempo está passando e quem não morre não vê Deus. Mas quem está vivo e não bebe ou não dança pode não ter outro meio de ver o mundo girar.

2 comentários:

  1. Mauro, vou usar aqui uma frase do livro "Alma Imoral" sobre solidão.

    "Solidão é a ausência de si mesmo".

    Libertdade temos o tempo todo. É uma questão de administração.

    Acho muito bom refletirmos sobre um tudo...
    Helena

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  2. Como Chico Buarque, você escreve o que minha alma senti. Adorei!

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