terça-feira, 30 de novembro de 2010

E Foram Felizes... Para Sempre?

Eu até gosto de ir a casamentos. Legal as pessoas emocionadas, o clima de festa, a ritualística. Mas certas coisas me incomodam. O cheiro de flores mortas das ornamentações, por exemplo. Não gosto dele. Poderiam padronizar o uso das artificiais, já que o efeito visual é o mesmo e como diziam os Titãs, “as flores de plástico não morrem”. - Eu já anunciei aos amigos mais próximos: quando eu morrer desejo ser cremado. Com molho de tomate, mussarela e orégano. Pra ficar com o cheirinho das pizzas que eu adoro.
                                                                               
 Pior é a sequência de compromissos assumidos na cerimônia de casamento. Acho que poderiam suprimir aquela parte do “até que a morte os separe”. Que morte é essa? Tanta gente separada por aí! Ou o mundo está repleto de mentirosos ou está cheio de zumbis.

Poderiam, ao menos, definir melhor esta morte. O rito poderia ser assim:

“... Até que a morte os separe. Podendo esta ser:
a) de um dos cônjuges
b) do tesão de um pelo outro
c) do prazer pela companhia do outro
d) da capacidade de entendimento entre os membros do casal
e) da confiança mútua
f) da intimidade
g) da amizade
h) da lealdade
i) da alegria
J) da paz
k) do respeito
L) da igualdade de direitos

Os noivos agora podem se beijar, comemorar, transar e ficar o tempo necessário para analisar se vão ou não ter capacidade de cumprir as juras proferidas. Caso confirmem as promessas, retornem a esta igreja e eu os declararei marido e mulher.”

Fechou? Então já é!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores

Toda esta confusão que aconteceu durante a semana passada e aos poucos vai se tornando banal – tem criança jogando bola em Olaria fazendo do espaço entre dois tanques de gol – me deixou com idéia fixa. Só falava e pensava no que estava acontecendo na cidade. Eu estava pesado, tenso e de saco cheio.

Mas de repente, preocupadas comigo e com meus filhos, começaram a surgir minhas flores: Primeiro foi a Rosa, minha grande amiga de sempre, ligando lá de Brasília pra saber de mim. Minha mãe, é claro, ligou várias vezes. Ligaram Edite (que acha que mora na França, mas mora é no meu coração), Dona Elvira, de São João de Meriti e a Leninha, com quem não consegui falar. Com a Juliana, do Galeão e a Lau, de Vitória, conversei pelo MSN. Cristina, Carolina, Marília, Selma, por e-mails e Facebook. Sylvia, mãe dos meus filhos, me ajudou diversas vezes nas decisões sobre a mobilidade das crianças em suas atividades.

O assunto foi, evidentemente, a violência no Rio e seus perigos. Recomendaram-nos muito cuidado e desejaram proteção. Deus ouviu suas preces. Estamos muito bem.

Alguns papos tiveram o poder de me tirar desta realidade e falar de coisas mais importantes. Papos-cabeça, falando de esperança, liberdade, amor, prazer, música e alegria. E como a gente está onde nossa mente está, viajei muito bem acompanhado por esses ideais, dando minha opinião, ouvindo outras.

E veio à minha mente, num momento de silêncio, a música Nature Boy:

There was a boy
A very strange enchanted boy
They say he wandered very far, very far
Over land and sea
A little shy
And sad of eye
But very wise
Was he

And then one day
A magic day he passed my way
And while we spoke of many things, fools and kings
This he said to me
"The greatest thing
You'll ever learn
Is just to love
And be loved
In return"

"The greatest thing you’ll ever learn is just to love and be loved in return"

(“A mais importante coisa que se pode aprender é apenas amar, e em troca, ser amado.”)

Mil beijos, minhas flores!

Falso Amor Sincero

Uma semana entrincheirado no meu apartamento. Saí de carro na terça-feira para levar minha filha ao colégio e depois fui trabalhar. No retorno à nossa casa, no transporte escolar, ela me telefonou, assustada, dizendo que estava tudo bem. Não entendi nada até ela descrever o que vira pelo caminho, ao passar pelo bairro da Penha. Primeiro viu um “Caveirão” do poderoso Bope destruído. Metros depois um grupo enorme de policiais armados e mais quatro veículos semelhantes ao danificado, só que em perfeitas condições. O Bope se preparava para invadir a Vila Cruzeiro.

Meus filhos pararam de ir aos seus colégios. Eu fui trabalhar no turno da noite da minha escala de serviço. Não ousei sair de carro. Peguei a condução fretada pela minha empresa. Quinta-feira em casa. Vendo helicópteros e ouvindo sirenes. Na TV assisti o “show da guerra”, pela Globo e Globo News.

Ligaram da Beija-Flor: Não houve ensaio, por motivo de segurança, naquela noite.

Sexta-feira eu arrisquei uma feira pela manhã.  Sobrevivi.

Sábado eu já não agüentava mais. Decidi ir a todos os lugares que sempre vou: Fui à minha escola esotérica e depois à Praça São Salvador. Nada como fechar o dia entre gente feliz e música gostosa.

Bebi cerveja. Dei um tempo, deixei o efeito passar com as horas e muita água. Saí de lá uma da manhã. Voltei dirigindo pelo Aterro do Flamengo e Avenida Brasil. Passei por mais de dez carros da polícia, circulando em todas as direções, em missões de patrulhamento. Cheguei tranqüilo em casa, meia hora depois.

Domingo fui a um casamento no início da manhã, deu um pulo no chorinho, lá na praça. Bati um pouco de papo com a turma e voltei para casa. Preparando-me para a rotina da semana percebi que as coisas ainda não estavam tão normais assim. Ainda não tenho coragem de permitir a ida de meus filhos à escola. Temo passar pela Penha, no caminho para o trabalho.

O Rio não ganhou guerra nenhuma. Pode estar ganhando uma batalha, mas nem prendendo ou matando todos os bandidos descamisados, de chinelos, motos e fuzis, vamos eliminar o crime. Pode surgir uma confortável, conveniente e natalina sensação de paz. Mas temos as milícias, os financiadores e importadores de armas e drogas. Temos comunidades ocupadas pelas Unidades de Polícia Pacificadora, que permitem que lá aconteça, “pacificamente”, a continuação da venda de drogas.

Canta Nelson Sargento:
 “Nosso amor é tão bonito! Ela finge que me ama e eu finjo que acredito.”

E as autoridades do Rio, apoiado pelas mídias, vão cantar:
“Nosso povo do Rio é tão bonito! Apóia a Copa e Olimpíadas e eu finjo que pacifico!”

Êta papo pra rolar!

sábado, 27 de novembro de 2010

A Vida Não É Filme. Você Não Entendeu...

Parece filme, mas não é. O roteiro habitual esperado teria começo, meio e fim. Do caos à ordem, com a vitória das forças do bem. Mas a vida me ensina todos os dias que o buraco é sempre mais embaixo.

Hoje, no Rio, algumas coisas realmente são inéditas. Há uma postura por parte das tropas de moral elevada. Eu já vi muito bombeiro ser aplaudido, mas policiais, nunca! Surge uma sensação que toma conta da população de que “agora vai”.

Pode até ir, mas vai bem mais devagar que se imagina. De tudo, o mais positivo é a mudança, mesmo que baseada em fantasias, da atitude do povo.  

Os problemas, a gente sabe, começaram quando as 13 caravelas, vindas de Portugal, foram avistadas. Até então aqui era o paraíso. Terras, águas, comidas, tudo em abundância. Todo dia era dia de índio. Mas não há bem que sempre dure e um índio gritou: - Pelos ovos de Tupã! Descobriram a gente!

Resumindo a história, a atitude e a formação da geléia geral... Cantou São Clemente:

Onde a zorra vai parar?
Eu tô sofrendo, mas eu gozo no final
A São Clemente faz a gente acreditar
Que no Brasil o que é sério é carnaval

A cobra vai fumar
De além-mar, ao mar de lama
Gostoso é pecar, se lambuzar no mel da cana
Índias que não estão no mapa
Na boquinha da garrafa, cheias de amor pra dar
O tal batavo começou a avacalhar

E como brasileiro gosta de uma obra
Nassau fez até de sobra
Mascarando o leão do norte, lugarejo sem saúde
Onde a maior virtude era viver de armação
Macunaíma, anti-herói idolatrado
Aqui tudo foi tramado pra virar esculhambação

Todo mundo pelado, beleza pura
Todo mundo pelado, mas que loucura
Ninguém segura a perereca da vizinha
É um barato a buzina do Chacrinha

Era a Corte um rebu
Se ouviu o sururu, vai pra ponte que partiu
Com o laranja endividado
O pedágio foi cobrado, o primeiro do Brasil
 
O boi voou, começou a robalheira
A galhofa, a bandalheira, é chacota nacional
Mas tira o olho, ninguém tasca, eu vi primeiro
Tem muito boi brasileiro prá comer nesse quintal

Onde a zorra vai parar?
Eu tô sofrendo, mas eu gozo no final
A São Clemente faz a gente acreditar
Que no Brasil o que é sério é carnaval...


Eu peguei o notebook disposto a escrever pra caramba. Mil idéias, pouco tempo.
Sempre tendo que resumir, até pra preservar o saco dos leitores, acho que não podemos esquecer que quem financia o crime e o tráfico de drogas e armas está tranquilamente sentado em seu gabinete, escritório ou mansão; que neste raio de suruba, neste “polícia e ladrão” nada infantil, deve-se definir de que lado cada personagem está. Vamos lá: policiais bandidos e corruptos para o lado de lá! A banda boa fica aqui! Agora o mesmo com os políticos! Com os governantes, com os cidadãos comuns! Trabalho difícil! Muitos infiltrados. Leva tempo, não disse? É necessário desenvolver perspicácia, inteligência, malícia para reconhecer o opositor, o inimigo. E a autocrítica, pra gente também deixar de contribuir com esta zona.

Bandido pobre, armado e drogado é fácil de reconhecer. Quem nunca tinha visto viu aos montes quinta-feira. Fixou? Complicado é localizar os outros. Pois nessas tropas de policiais e seus comandos que a gente está vendo e aplaudindo nesta operação, tem um monte já pensando em se beneficiar com esta “retomada” do estado daquele território dominado pelo tráfico. As milícias estão rindo à toa.

Tem muita coisa a ser feita para que as coisas mudem. A questão da educação, da saúde, da recuperação da verdadeira noção de cidadania deve ser levada realmente a sério, seus problemas devem ser encarados como fizeram na Vila Cruzeiro. Invadir, tomar, recuperar, transformar e melhorar.

E tem mais. Voltando aos bandidos, agora somados aos que já estavam no Complexo do Alemão e os que estão nas outras comunidades. O que fazer com eles? Alguém aí acredita que esses elementos poderão ser reintegrados a uma sociedade honesta, íntegra e organizada? Você contrataria algum deles para ser porteiro do prédio onde mora?

Lembrei do filme Parque dos Dinossauros. A culpa da criação dos monstros não foi dos monstros. Foi dos ricos ambiciosos que queriam lhes explorar. Uma coisa é a origem, a semente do mal. Outra coisa são os frutos. No caso do filme, eliminar os monstros descontrolados foi inevitável. Com bandidos acredito que também será. Mas se não punirem, impedirem os financiadores, os cabeças, tudo surgirá novamente.

E você que consome drogas traficadas, que entra no jogo dos policiais corruptos quando paga para que seja liberado quando descoberto cometendo irregularidades no trânsito, que vota sem consciência e elege bandidos de gravatas, é claro que está dando tiro no pé. Deixa de achar que é malandro! Não sei se você tem solução, mas se liga na letra de Cabrobó, do Tianastácia:

Ouvi falar loucura vem de berço
Camarão bom é nascido em cabrobó
A bebida é coisa que vira cirrose
E o cérebro derrete quando alguém cheira loló
Meu pai falava prá eu andar sempre na linha
Só transa com camisinha prás "muié" não engravidar
Lança perfume sustentava os meus neurônios
Eu descobri que Steinhaeger com cerveja
Faz pirar
Só não vacilo brow
A natureza é implacável
Se o cara nasce mané
Cresce mané
Morre mané, mané

Dá um tempo Mané! Pra sobreviver! Pra sobreviver!

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A Crise No Rio e O Pastiche Midiático - artigo de Luiz Eduardo Soares

Recebi da colega Eliane Oliveira o seguinte texto e decidi postar aqui. Acho uma excelente referência para nossa reflexão sobre os problemas que vivemos em relação à segurança pública no nosso estado. A espetacularização por parte da mídia dos eventos da operação de tomada da Vila Cruzeiro, na Penha, Zona Norte do Rio ganhou porte semelhante ao recente resgate dos mineiros soterrados no Chile. No Twitter circulou uma "definição" debochada e interessante sobre a cobertura "global": "É a datenização da Globo".
(referindo-se ao estilo José Luiz Datena de fazer "jornalismo".).

Assim, repasso, incluindo o parecer de Eliane:

"Indico a leitura atenta desse artigo de Luiz Eduardo Soares sobre a crise no Rio de Janeiro.
Luiz Eduardo Soares é cientista político, foi secretário nacional de segurança pública (2003) e coordenador de segurança, justiça e cidadania do Estado do RJ (1999/2000), é autor do livro Elite da Tropa (que inspirou o filme Tropa de Elite), entre outras obras que discorrem sobre o assunto da política de segurança pública.
Neste texto, dentre a análise de outros pontos fortes, ele denuncia a contribuição midiática para a construção de uma atmofera de caos e desordem na cidade pelos "traficantes", recurso que sustenta, por sua vez, a imagem triunfalista da polícia e do governo estadual em suas ações de "segurança pública". Um tipo de "espetacularização do caos" desse tipo produz, segundo ele, um senso comum pobre de análises, pleno de preconceitos e sedento por ações emergenciais que beiram ao fascismo e obscurecem as verdadeiras questões que estão em jogo.
Leiam o texto. É importante. O único ponto de discordância que tenho com ele é sobre serem as UPPs a melhor saída para resolver o poder paralelo do tráfico. Penso que a saída é ir à fonte do problema, combatendo antes quem planta droga e trafica armas, e não quem comercializa. Mas, uma política pública assim atingiria políticos, proprietários de terra, grandes empresários, representantes da elite do país, quem patrocina esse processo. Sobre isso, nenhuma política de segurança no país discute e propõe atuação.
abraços, Eliane"

A crise no Rio e o pastiche midiático  

Sempre mantive com jornalistas uma relação de respeito e cooperação. Em alguns casos, o contato profissional evoluiu para amizade. Quando as divergências são muitas e profundas, procuro compreender e buscar bases de um consenso mínimo, para que o diálogo não se inviabilize. Faço-o por ética –supondo que ninguém seja dono da verdade, muito menos eu--, na esperança de que o mesmo procedimento seja adotado pelo interlocutor. Além disso, me esforço por atender aos que me procuram, porque sei que atuam sob pressão, exaustivamente, premidos pelo tempo e por pautas urgentes. A pressa se intensifica nas crises, por motivos óbvios. Costumo dizer que só nós, da segurança pública (em meu caso, quando ocupava posições na área da gestão pública da segurança), os médicos e o pessoal da Defesa Civil, trabalhamos tanto –ou sob tanta pressão-- quanto os jornalistas.
Digo isso para explicar por que, na crise atual, tenho recusado convites para falar e colaborar com a mídia:
(1) Recebi muitos telefonemas, recados e mensagens. As chamadas são contínuas, a tal ponto que não me restou alternativa a desligar o celular. Ao todo, nesses dias, foram mais de cem pedidos de entrevistas ou declarações. Nem que eu contasse com uma equipe de secretários, teria como responder a todos e muito menos como atendê-los. Por isso, aproveito a oportunidade para desculpar-me. Creiam, não se trata de descortesia ou desapreço pelos repórteres, produtores ou entrevistadores que me procuraram.
(2) Além disso, não tenho informações de bastidor que mereçam divulgação. Por outro lado, não faria sentido jogar pelo ralo a credibilidade que construí ao longo da vida. E isso poderia acontecer se eu aceitasse aparecer na TV, no rádio ou nos jornais, glosando os discursos oficiais que estão sendo difundidos, declamando platitudes, reproduzindo o senso comum pleno de preconceitos, ou divagando em torno de especulações. A situação é muito grave e não admite leviandades. Portanto, só faria sentido falar se fosse para contribuir de modo eficaz para o entendimento mais amplo e profundo da realidade que vivemos. Como fazê-lo em alguns parcos minutos, entrecortados por intervenções de locutores e debatedores? Como fazê-lo no contexto em que todo pensamento analítico é editado, truncado, espremido –em uma palavra, banido--, para que reinem, incontrastáveis, a exaltação passional das emergências, as imagens espetaculares, os dramas individuais e a retórica paradoxalmente triunfalista do discurso oficial?
(3) Por fim, não posso mais compactuar com o ciclo sempre repetido na mídia: atenção à segurança nas crises agudas e nenhum investimento reflexivo e informativo realmente denso e consistente, na entressafra, isto é, nos intervalos entre as crises. Na crise, as perguntas recorrentes são: (a) O que fazer, já, imediatamente, para sustar a explosão de violência? (b) O que a polícia deveria fazer para vencer, definitivamente, o tráfico de drogas? (c) Por que o governo não chama o Exército? (d) A imagem internacional do Rio foi maculada? (e) Conseguiremos realizar com êxito a Copa e as Olimpíadas?
Ao longo dos últimos 25 anos, pelo menos, me tornei “as aspas” que ajudaram a legitimar inúmeras reportagens. No tópico, “especialistas”, lá estava eu, tentando, com alguns colegas, furar o bloqueio à afirmação de uma perspectiva um pouquinho menos trivial e imediatista. Muitas dessas reportagens, por sua excelente qualidade, prescindiriam de minhas aspas –nesses casos, reduzi-me a recurso ocioso, mera formalidade das regras jornalísticas. Outras, nem com todas as aspas do mundo se sustentariam. Pois bem, acho que já fui ou proporcionei aspas o suficiente. Esse código jornalístico, com as exceções de praxe, não funciona, quando o tema tratado é complexo, pouco conhecido e, por sua natureza, rebelde ao modelo de explicação corrente. Modelo que não nasceu na mídia, mas que orienta as visões aí predominantes. Particularmente, não gostaria de continuar a ser cúmplice involuntário de sua contínua reprodução.
Eis por que as perguntas mencionadas são expressivas do pobre modelo explicativo corrente e por que devem ser consideradas obstáculos ao conhecimento e réplicas de hábitos mentais refratários às mudanças inadiáveis. Respondo sem a elegância que a presença de um entrevistador exigiria. Serei, por assim dizer, curto e grosso, aproveitando-me do expediente discursivo aqui adotado, em que sou eu mesmo o formulador das questões a desconstruir. Eis as respostas, na sequência das perguntas, que repito para facilitar a leitura:
(a) O que fazer, já, imediatamente, para sustar a violência e resolver o desafio da insegurança?
Nada que se possa fazer já, imediatamente, resolverá a insegurança. Quando se está na crise, usam-se os instrumentos disponíveis e os procedimentos conhecidos para conter os sintomas e salvar o paciente. Se desejamos, de fato, resolver algum problema grave, não é possível continuar a tratar o paciente apenas quando ele já está na UTI, tomado por uma enfermidade letal, apresentando um quadro agudo. Nessa hora, parte-se para medidas extremas, de desespero, mobilizando-se o canivete e o açougueiro, sem anestesia e assepsia. Nessa hora, o cardiologista abre o tórax do moribundo na maca, no corredor. Não há como construir um novo hospital, decente, eficiente, nem para formar especialistas, nem para prevenir epidemias, nem para adotar procedimentos que evitem o agravamento da patologia.  Por isso, o primeiro passo para evitar que a situação se repita é trocar a pergunta. O foco capaz de ajudar a mudar a realidade é aquele apontado por outra pergunta: o que fazer para aperfeiçoar a segurança pública, no Rio e no Brasil, evitando a violência de todos os dias, assim como sua intensificação, expressa nas sucessivas crises?
Se o entrevistador imaginário interpelar o respondente, afirmando que a sociedade exige uma resposta imediata, precisa de uma ação emergencial e não aceita nenhuma abordagem que não produza efeitos práticos imediatos, a melhor resposta seria: caro amigo, sua atitude representa, exatamente, a postura que tem impedido avanços consistentes na segurança pública. Se a sociedade, a mídia e os governos continuarem se recusando a pensar e abordar o problema em profundidade e extensão, como um fenômeno multidimensional a requerer enfrentamento sistêmico, ou seja, se prosseguirmos nos recusando, enquanto Nação, a tratar do problema na perspectiva do médio e do longo prazos, nos condenaremos às crises, cada vez mais dramáticas, para as quais não há soluções mágicas.
A melhor resposta à emergência é começar a se movimentar na direção da reconstrução das condições geradoras da situação emergencial. Quanto ao imediato, não há espaço para nada senão o disponível, acessível, conhecido, que se aplica com maior ou menor destreza, reduzindo-se danos e prolongando-se a vida em risco.
A pergunta é obtusa e obscurantista, cúmplice da ignorância e da apatia.
(b) O que as polícias fluminenses deveriam fazer para vencer, definitivamente, o tráfico de drogas?
Em primeiro lugar, deveriam parar de traficar e de associar-se aos traficantes, nos “arregos” celebrados por suas bandas podres, à luz do dia, diante de todos. Deveriam parar de negociar armas com traficantes, o que as bandas podres fazem, sistematicamente. Deveriam também parar de reproduzir o pior do tráfico, dominando, sob a forma de máfias ou milícias, territórios e populações pela força das armas, visando rendimentos criminosos obtidos por meios cruéis.
Ou seja, a polaridade referida na pergunta (polícias versus tráfico) esconde o verdadeiro problema: não existe a polaridade. Construí-la –isto é, separar bandido e polícia; distinguir crime e polícia-- teria de ser a meta mais importante e urgente de qualquer política de segurança digna desse nome. Não há nenhuma modalidade importante de ação criminal no Rio de que segmentos policiais corruptos estejam ausentes. E só por isso que ainda existe tráfico armado, assim como as milícias.
Não digo isso para ofender os policiais ou as instituições. Não generalizo. Pelo contrário, sei que há dezenas de milhares de policiais honrados e honestos, que arriscam, estóica e heroicamente, suas vidas por salários indignos. Considero-os as primeiras vítimas da degradação institucional em curso, porque os envergonha, os humilha, os ameaça e acua o convívio inevitável com milhares de colegas corrompidos, envolvidos na criminalidade, sócios ou mesmo empreendedores do crime.
Não nos iludamos: o tráfico, no modelo que se firmou no Rio, é uma realidade em franco declínio e tende a se eclipsar, derrotado por sua irracionalidade econômica e sua incompatibilidade com as dinâmicas políticas e sociais predominantes, em nosso horizonte histórico. Incapaz, inclusive, de competir com as milícias, cuja competência está na disposição de não se prender, exclusivamente, a um único nicho de mercado, comercializando apenas drogas –mas as incluindo em sua carteira de negócios, quando conveniente. O modelo do tráfico armado, sustentado em domínio territorial, é atrasado, pesado, anti-econômico: custa muito caro manter um exército, recrutar neófitos, armá-los (nada disso é necessário às milícias, posto que seus membros são policiais), mantê-los unidos e disciplinados, enfrentando revezes de todo tipo e ataques por todos os lados, vendo-se forçados a dividir ganhos com a banda podre da polícia (que atua nas milícias) e, eventualmente, com os líderes e aliados da facção. É excessivamente custoso impor-se sobre um território e uma população, sobretudo na medida que os jovens mais vulneráveis ao recrutamento comecem a vislumbrar e encontrar alternativas. Não só o velho modelo é caro, como pode ser substituído com vantagens por outro muito mais rentável e menos arriscado, adotado nos países democráticos mais avançados: a venda por delivery ou em dinâmica varejista nômade, clandestina, discreta, desarmada e pacífica. Em outras palavras, é melhor, mais fácil e lucrativo praticar o negócio das drogas ilícitas como se fosse contrabando ou pirataria do que fazer a guerra. Convenhamos, também é muito menos danoso para a sociedade, por óbvio.
(c) O Exército deveria participar?
Fazendo o trabalho policial, não, pois não existe para isso, não é treinado para isso, nem está equipado para isso. Mas deve, sim, participar. A começar cumprindo sua função de controlar os fluxos das armas no país. Isso resolveria o maior dos problemas: as armas ilegais passando, tranquilamente, de mão em mão, com as benções, a mediação e o estímulo da banda podre das polícias.
E não só o Exército. Também a Marinha, formando uma Guarda Costeira com foco no controle de armas transportadas como cargas clandestinas ou despejadas na baía e nos portos. Assim como a Aeronáutica, identificando e destruindo pistas de pouso clandestinas, controlando o espaço aéreo e apoiando a PF na fiscalização das cargas nos aeroportos.
(d) A imagem internacional do Rio foi maculada?
Claro. Mais uma vez.
(e) Conseguiremos realizar com êxito a Copa e as Olimpíadas?
Sem dúvida. Somos ótimos em eventos. Nesses momentos, aparece dinheiro, surge o “espírito cooperativo”, ações racionais e planejadas impõem-se. Nosso calcanhar de Aquiles é a rotina. Copa e Olimpíadas serão um sucesso. O problema é o dia a dia.
Palavras Finais
Traficantes se rebelam e a cidade vai à lona. Encena-se um drama sangrento, mas ultrapassado. O canto de cisne do tráfico era esperado. Haverá outros momentos análogos, no futuro, mas a tendência declinante é inarredável. E não porque existem as UPPs, mas porque correspondem a um modelo insustentável, economicamente, assim como social e politicamente. As UPPs, vale dizer mais uma vez, são um ótimo programa, que reedita com mais apoio político e fôlego administrativo o programa “Mutirões pela Paz”, que implantei com uma equipe em 1999, e que acabou soterrado pela política com “p” minúsculo, quando fui exonerado, em 2000, ainda que tenha sido ressuscitado, graças à liderança e à competência raras do ten.cel. Carballo Blanco, com o título GPAE, como reação à derrocada que se seguiu à minha saída do governo. A despeito de suas virtudes, valorizadas pela presença de Ricardo Henriques na secretaria estadual de assistência social --um dos melhores gestores do país--, elas não terão futuro se as polícias não forem profundamente transformadas. Afinal, para tornarem-se política pública terão de incluir duas qualidades indispensáveis: escala e sustentatibilidade, ou seja, terão de ser assumidas, na esfera da segurança, pela PM. Contudo, entregar as UPPs à condução da PM seria condená-las à liquidação, dada a degradação institucional já referida.
O tráfico que ora perde poder e capacidade de reprodução só se impôs, no Rio, no modelo territorializado e sedentário em que se estabeleceu, porque sempre contou com a sociedade da polícia, vale reiterar. Quando o tráfico de drogas no modelo territorializado atinge seu ponto histórico de inflexão e começa, gradualmente, a bater em retirada, seus sócios –as bandas podres das polícias-- prosseguem fortes, firmes, empreendedores, politicamente ambiciosos, economicamente vorazes, prontos a fixar as bandeiras milicianas de sua hegemonia.
Discutindo a crise, a mídia reproduz o mito da polaridade polícia versus tráfico, perdendo o foco, ignorando o decisivo: como, quem, em que termos e por que meios se fará a reforma radical das polícias, no Rio, para que estas deixem de ser incubadoras de milícias, máfias, tráfico de armas e drogas, crime violento, brutalidade, corrupção? Como se refundarão as instituições policiais para que os bons profissionais sejam, afinal, valorizados e qualificados? Como serão transformadas as polícias, para que deixem de ser reativas, ingovernáveis, ineficientes na prevenção e na investigação?
As polícias são instituições absolutamente fundamentais para o Estado democrático de direito. Cumpre-lhes garantir, na prática, os direitos e as liberdades estipulados na Constituição. Sobretudo, cumpre-lhes proteger a vida e a estabilidade das expectativas positivas relativamente à sociabilidade cooperativa e à vigência da legalidade e da justiça. A despeito de sua importância, essas instituições não foram alcançadas em profundidade pelo processo de transição democrática, nem se modernizaram, adaptando-se às exigências da complexa sociedade brasileira contemporânea. O modelo policial foi herdado da ditadura. Ele servia à defesa do Estado autoritário e era funcional ao contexto marcado pelo arbítrio. Não serve à defesa da cidadania. A estrutura organizacional de ambas as polícias impede a gestão racional e a integração, tornando o controle impraticável e a avaliação, seguida por um monitoramento corretivo, inviável. Ineptas para identificar erros, as polícias condenam-se a repeti-los. Elas são rígidas onde teriam de ser plásticas, flexíveis e descentralizadas; e são frouxas e anárquicas, onde deveriam ser rigorosas. Cada uma delas, a PM e a Polícia Civil, são duas instituições: oficiais e não-oficiais; delegados e não-delegados.
E nesse quadro, a PEC-300 é varrida do mapa no Congresso pelos governadores, que pagam aos policiais salários insuficientes, empurrando-os ao segundo emprego na segurança privada informal e ilegal.
Uma das fontes da degradação institucional das polícias é o que denomino "gato orçamentário", esse casamento perverso entre o Estado e a ilegalidade: para evitar o colapso do orçamento público na área de segurança, as autoridades toleram o bico dos policiais em segurança privada. Ao fazê-lo, deixam de fiscalizar dinâmicas benignas (em termos, pois sempre há graves problemas daí decorrentes), nas quais policiais honestos apenas buscam sobreviver dignamente, apesar da ilegalidade de seu segundo emprego, mas também dinâmicas malignas: aquelas em que policiais corruptos provocam a insegurança para vender segurança; unem-se como pistoleiros a soldo em grupos de extermínio; e, no limite, organizam-se como máfias ou milícias, dominando pelo terror populações e territórios. Ou se resolve esse gargalo (pagando o suficiente e fiscalizando a segurança privada /banindo a informal e ilegal; ou legalizando e disciplinando, e fiscalizando o bico), ou não faz sentido buscar aprimorar as polícias.
O Jornal Nacional, nesta quinta, 25 de novembro, definiu o caos no Rio de Janeiro, salpicado de cenas de guerra e morte, pânico e desespero, como um dia histórico de vitória: o dia em que as polícias ocuparam a Vila Cruzeiro. Ou eu sofri um súbito apagão mental e me tornei um idiota contumaz e incorrigível ou os editores do JN sentiram-se autorizados a tratar milhões de telespectadores como contumazes e incorrigíveis idiotas.
Ou se começa a falar sério e levar a sério a tragédia da insegurança pública no Brasil, ou será pelo menos mais digno furtar-se a fazer coro à farsa.

Vida Que Segue... Mas Para na Blitz

As pessoas já voltam a circular nos bairros próximos da Vila Cruzeiro. Eu, num ato de coragem e resistência, seguindo os conselhos do senhor Governador Sérgio Cabral, estou mantendo minha rotina.

A vida segue quase normal. Fiéis continuam subindo de joelhos as escadarias da Igreja da Penha. Só que, agora, com as mãos na nuca.

Fui à feira em Vista Alegre. Tião, o flanelinha, estava vestido com calças e boné caqui, camiseta vermelha: -“Vai mais à frente e volta de ré! Isso! Deixa solto”. – E completou – “Dois real! Mas fica tranqüilo! Qualquer coisa eu apago!”– E me mostrou com orgulho um extintor de incêndio.

Voltei para casa quase na hora do almoço. Abri a porta e ouvi uma série de estouros. Perguntei aborrecido: - “Filha, fazendo pipoca antes do almoço?” – Coitadinha. O barulho era só um tiroteio no final da rua.

Em frente à varanda do meu apartamento volta e meia passa o Globocop. A vizinhança, feliz, fica acenando. Alguém até mostrou uma faixa: “Mãe, tô vivo e tô na Globo!”

Ontem o evento foi animado lá na Penha. Se você não mora no bairro, sinto muito, mas perdeu. Se você mora, PERDEU! PERDEU!

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Insetos, Bandidos e Mau-Humor

Acho que estou me tornando um cara frio e intolerante...

O primeiro sintoma foi quando comprei uma “raquete” que mata insetos eletrocutados. Cada mosquito, mosca ou aranha morta me dava uma satisfação, gerava um prazer minhas vitórias estaladas sobre os bichos indefesos. Requintes de crueldade.
Insetos, apenas insetos.

Mas hoje fiquei surpreso com minha decepção ao ver que os bandidos que se concentravam na Vila Cruzeiro estavam fugindo, ilesos, para o Complexo do Alemão, após a espetacular e mal programada invasão da Polícia Militar. Como as autoridades não imaginaram a fuga?

Aquela evasão em correria aglomerada. Que chance! Confesso que torci por um helicóptero com uma metralhadora, bombas de napalm, lança-chamas, apocalipse now! Qualquer coisa. Desejei um massacre.

Pelo menos um suicídio coletivo... Aquela horda pulando de um penhasco. Já pensou?

Viajei na minha maldade. Mas duvido que entre aquelas centenas de bandidos haja alguém, um ao menos, que tenha crueldade menor que a minha. Alguém que pouparia qualquer um de nós em suas ações criminosas.

Os cientistas sociais que me perdoem a limitação da minha capacidade de compreensão, mas não acho que bandidos assassinos traficantes são vítimas das diferenças e problemas sociais.

Ser escroto é questão de índole, de caráter, de escolha.

Tento o tempo todo ser um homem legal. Quando “piso na bola” tento compensar, me redimir.

Mas eu vejo tanta maldade, tanta sacanagem, tanta covardia, tanta corrupção, tanta traição, que ando meio preocupado.

Já fui mais maneiro? Ou mais ingênuo?

Acho que estou me tornando um cara frio e intolerante...

... Preciso de um chope...

Tem muitas balas perdidas, muitos carros queimando lá fora... É mais seguro ficar em casa.

Que merda!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Homens de Chico?

“Diz que deu, diz que Deus, diz que Deus dará,
Não vou duvidar, ô nega e se Deus não dá, como é que vai ficar, ô nega?
Diz que deu, diz que dá, e se Deus negar, ô nega
Eu vou me indignar e chega, Deus dará, deus dará
Deus é um cara gozador, adora brincadeira
Pois prá me jogar no mundo, tinha o mundo inteiro
Mas achou muito engraçado me botar cabreiro
Na barriga da miséria nasci batuqueiro
Eu sou do rio de janeiro
Diz que Deus dará, diz que dá, não vou duvidar, ô nega
E se Deus não dá, como é que vai ficar, ô nega?
Diz que deu, diz que dá, e se Deus negar, ô nega
Eu vou me indignar e chega, Deus dará, Deus dará
Jesus cristo ainda me paga, um dia ainda me explica
Como é que pôs no mundo essa pouca titica
Vou correr o mundo afora, dar uma canjica
Que prá ver se alguém me embala ao ronco da cuíca
E aquele abraço prá quem fica!”...

Quando eu era menino tive muitas bolas devoradas pelo cachorro do vizinho. Um chute mais forte, uma espalmada do goleiro e a bola caia do outro lado do muro. Já era. O tal vizinho, dono do cachorro, trabalhava em circo. Era o palhaço Fred. Ele “devolvia”, de lá pra cá do muro, os farrapos e restos das bolas destroçadas. Eu não achava a menor graça. Verdadeira palhaçada!

Em Jacarepaguá, início da adolescência. Horas e horas no banheiro, “lendo” Carlos Zéfiro. Nada de paz. Tudo muito escondido. Não podia permitir ser pego e nem visto. Nem por Deus! Aí me informaram que o Criador era onisciente. E assim me percebi um pecador.

Mais tarde, cansado de reincidir no mesmo pecado, finalmente mudei de vida. Conheci meninas. Muito sarro, esperando a oportunidade da primeira transa. Quando rolou eu gostei tanto que decidi executar um projeto secreto: Bater todos os recordes, comer todas!

Qual o quê. Demorei a desenvolver minha canalhice até o nível desejado. Quando estava chegando lá surgiu a AIDS. No início todos achavam que apenas os homossexuais eram vítimas da doença. A tranqüilidade acabou quando descobriram que todo mundo estava no risco. Pé no freio. Transar só com as namoradas. As “confiáveis”, é claro!

De namorada em namorada acabei casado. Já não acreditava mais em pecado. Agora a repressão era por conta da prudência, da fidelidade e da ética. Já não temia a Deus. Temia a mim mesmo. E me vigiava atentamente, evitando cometer deslizes.

“Tinha cá pra mim
Que agora sim
Eu vivia enfim
O grande amor
Mentira
Me atirei assim
De trampolim
Fui até o fim um amador
Passava um verão
A água e pão
Dava o meu quinhão
Pro grande amor
Mentira
Eu botava a mão
No fogo então
Com meu coração de fiador

Hoje eu tenho apenas
Uma pedra no meu peito
Exijo respeito
Não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor
Mentira

Fui muito fiel
Comprei anel
Botei no papel
O grande amor
Mentira
Reservei hotel
Sarapatel
E lua de mel
Em Salvador
Fui rezar na Sé
Pra São José
Que eu levava fé
No grande amor
Mentira
Fiz promessa até
Pra Oxumaré
De subir a pé o Redentor

Hoje eu tenho apenas
Uma pedra no meu peito
Exijo respeito
Não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor

Mentira”

O casamento, que era doce, acabou-se. Vácuo total. Estava eu diante do caos.
Tive que fazer papel de Deus e recriar meu universo. Imagino o trabalho que teve a Divindade. Para reconstruir um mundinho para mim estou tendo um trabalho danado. Imagina Ele para criar todo esse mundão! Mesmo Todo Poderoso merecia mesmo aquela folga no sétimo dia.

Pensa que acabaram as restrições? Acredita que a Senhora Liberdade abriu suas asas sobre mim? Nada! Adulto? Classe média? Só se ferra! Trabalhar, educar os filhos, cuidar da casa. Até aprendi a cozinhar. Eu, logo eu, que maldizia a cozinha. Toda razão para meu amigo Tanaka quando diz:

 - “Não conheço um que não pague pela boca!”

Mas se a vida nem sempre é bela, posso afirmar que ela é sempre interessante.

Igual aquela mulher que não chama atenção pela beleza, mas que tem seus mistérios e que passa uma atração irresistível. Vinícius que me desculpe, mas o tesão é fundamental.

Então meu amigo, se você me perguntar como vai a vida, vou responder ao pé do seu ouvido: - “Tô comendo!”

Mentira.


terça-feira, 23 de novembro de 2010

"Até Que Nem Tanto Esotérico Assim..."

Outro dia eu estava lendo sobre chakras, centros de energia situados em nossos corpos mais sutis que o físico. Por eles entram as energias que vem dos níveis superiores de manifestação da vida.

Passeando na manhã ensolarada do último domingo fui até a Praça São Salvador. Fiquei ouvindo o chorinho tocado no coreto, vendo as pessoas que se cumprimentavam ao se encontrar, as crianças que brincavam, os idosos que passeavam, alguns em cadeiras de rodas, as belas mulheres que aqueciam suas peles nos raios de sol por entre as folhagens das árvores. Alguns amigos do Batuque no Coreto que foram chegando, um a um, sem combinar, e que começavam a pensar numa possível roda de samba, depois da seresta que aconteceria após o chorinho.

Contaram que um temporal caíra no início da madrugada, dispersando a música em torno de um violão que rolou após o Samba Salvador, que terminou, como sempre, exatamente às dez da noite, em respeito aos moradores que desejam silêncio.

Aquele lugar tem o dom de fazer bem a quem o freqüenta. Passei por lá uma noite, meio por acaso, para confirmar se havia mesmo uma roda de samba por ali. Sim, havia.

Cheguei, permitiram-me tocar minha cuíca e eu me senti muito bem. Desde então virei um freqüentador assíduo.

Alguns colegas perguntam se eu não acho a praça longe demais da minha casa. Eu respondo que não. Assim como não considero distante a Beija-Flor de Nilópolis.

Longe, muito longe, fica a agência da Caixa Econômica, na esquina da minha rua. Detesto ir lá.

A Praça São Salvador é diferente. Simples, bonita, gostosa. Logo ali.

Sim, definitivamente ela é um chakra da nossa cidade.

Será O Abraço Uma Luta?

A nova onda de ataques incendiários a automóveis é assustadora e preocupante. Meu temor é que em uma situação bastante possível e provável, pessoas sejam impedidas de sair dos carros e possam se ferir gravemente ou até mesmo perder a vida.

A gente toma conhecimento mas tende a não dar muita atenção a estas notícias. Acredito que seja uma forma de se defender do pavor que pode tomar conta de nós, ao nos imaginarmos numa cena como estas. O problema é que os crimes se repetem e não são contidos. E os bandidos começam a exibir cada vez mais intensamente a crueldade que os tornam temidos até mesmo dentro de seu próprio meio.

E pessoas se tornam vítimas e vítimas se tornam números, estatísticas. Ninguém toma conhecimento do sofrimento que transforma e muitas vezes destrói vidas que estavam ligadas a essas brutalidades.

Conheço o drama muito de perto. No próximo dia 29 de novembro faz cinco anos que traficantes entraram em um ônibus, obrigaram todos os passageiros a passarem pela roleta para a parte traseira do veículo. Então os bandidos os banharam com gasolina, atearam fogo e impediram que o motorista abrisse a porta traseira para que as pessoas pudessem sair. Alguns passageiros, mesmo cegos com o fogo e a fumaça, conseguiram pular pelas janelas traseiras quebradas na explosão, com os corpos em chama. Outros não tiveram a mesma sorte.

O crime aconteceu às 22 horas do dia 29. No dia seguinte pela manhã eu voltava da minha caminhada e vi as fotos nas capas dos jornais. Tomei conhecimento do fato e fiquei assustado pois eu havia passado por ali meia hora antes do incêndio, num ônibus, com minha mulher e minha filha.

Cheguei em casa e esqueci dos jornais, do incêndio. Nem pensei no sofrimento dos feridos e dos cinco mortos, até então não identificados.

Recebi, ao chegar em casa, um telefonema de uma sobrinha, pedindo para que eu ajudasse a localizar o nosso tio Luiz, meu vizinho, gerente de um supermercado, que não retornara para casa no dia anterior. Várias pessoas da família estavam procurando em hospitais e delegacias, mas não havia pista sobre sua localização.

Imediatamente as imagens do ônibus incendiado vieram à minha cabeça e eu comentei o que havia acontecido perto dali, na noite anterior:
    Quanto a isso fique tranquila” – falei – “Ele sempre vai de carro para o trabalho”.
    Então ela respondeu, aos prantos: - “Só que ontem ele não foi.”

Meu primo, filho de Luiz, estava no IML. Pediu para ver os corpos das vítimas do ônibus 350 e entre elas reconheceu seu pai por dois detalhes: o relógio, que preservou sua forma, e a cicatriz de uma cirurgia na virilha, pequena parte preservada do corpo carbonizado, por ele estar sentado na hora da sua morte. 

Os advogados das seguradoras também estavam no IML, na tentativa de impedir o reconhecimento oficial dos corpos. Sem a identidade comprovada não haveria pagamentos pelas seguradoras. Conseguimos a comprovação oficial com muita dificuldade, após comparação da arcada dentária com a documentação apresentada pelo seu dentista.
Além de Luiz Antônio Carvalho Vieira, meu tio e amigo, estavam entre os outros quatro mortos uma jovem mãe, chamada Vânia, e sua filha Vitória, de apenas um ano.

Conversei com alguns sobreviventes e ouvi histórias terríveis. Uma jovem informou que, mesmo com o corpo queimado foi recusada em diversas clínicas e hospitais próximos ao local do incêndio, por não haver convênio com seu plano de saúde. O relato mais comovente foi o do marido de Vânia, pai de Vitória, que não conseguiu retirá-las do ônibus e as viu morrer.

No dia seguinte ao crime foram encontrados mortos, no porta-malas de um carro, quatro bandidos que teriam ajudado o traficante Anderson Gonçalves dos Santos, o Lorde, mandante do crime, a executar a ação incendiária. Foram mortos por bandidos de outra facção criminosa que reivindicaram a autoria das mortes por “não concordarem com o terrorismo”. Três pessoas envolvidas cumprem pena em presídios no Rio, inclusive Lorde, condenado a 444 anos de prisão e Sheila Messias Nogueira, que foi acusada, após ser reconhecida, como a pessoa que fez sinal para que o ônibus parasse e que impediu que passageiros saíssem do coletivo.

Esta tragédia aconteceu em um bairro próximo da minha casa, tendo como vítimas algumas pessoas da vizinhança e um parente próximo. A partir daquele momento minha indiferença a estes crimes acabou. Naquela noite, meio desorientado, eu consegui o telefone de Cleyde Prado Maia, mãe da menina Gabriela, morta por bala perdida na Estação São Francisco Xavier do Metrô. Conversamos durante horas e ela falou sobre a dureza da sua luta por justiça. Alertou que era uma hora de decisão. Ela havia transformado seu luto em luta. Não havia mais alegria, repouso e lágrimas.

Com a ajuda de Cleyde e o movimento Gabriela Sou da Paz, promovemos uma manifestação no local do crime e iniciaríamos uma sequência delas. Foram interrompidas após pedido de minha tia, esposa de Luiz, Nossa família se calou dentro de nossa dor e saudade.

Na época, o então Secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, também na condição de porta-voz de sua mulher, a governadora Rosinha Matheus, em seu pronunciamento disse que iria “rezar para que fatos como aquele não voltassem a ocorrer”. O prefeito César Maia nem se pronunciou.

Devido ao grande impacto do fato na sociedade e após muitas notícias e cobranças da mídia, as autoridades passaram a se dedicar na busca dos criminosos.

Espero que as autoridades encontrem logo solução para esta onda de arrastões incendiários, antes que mais famílias sejam duramente atingidas e abandonadas com essas tragédias marcantes em suas vidas.

Na última conversa que tive com Cleyde Prado Maia, numa missa pelo aniversário da morte de Gabriela, ela perguntou sobre minha opção, se eu iria ser um ativista numa luta semelhante à dela. Respondi que minha alegria seria minha forma de resistir e lutar contra a violência.

Cleyde me deu um abraço e desejou que eu fosse feliz. Então eu comprei uma cuíca...