terça-feira, 23 de novembro de 2010

Será O Abraço Uma Luta?

A nova onda de ataques incendiários a automóveis é assustadora e preocupante. Meu temor é que em uma situação bastante possível e provável, pessoas sejam impedidas de sair dos carros e possam se ferir gravemente ou até mesmo perder a vida.

A gente toma conhecimento mas tende a não dar muita atenção a estas notícias. Acredito que seja uma forma de se defender do pavor que pode tomar conta de nós, ao nos imaginarmos numa cena como estas. O problema é que os crimes se repetem e não são contidos. E os bandidos começam a exibir cada vez mais intensamente a crueldade que os tornam temidos até mesmo dentro de seu próprio meio.

E pessoas se tornam vítimas e vítimas se tornam números, estatísticas. Ninguém toma conhecimento do sofrimento que transforma e muitas vezes destrói vidas que estavam ligadas a essas brutalidades.

Conheço o drama muito de perto. No próximo dia 29 de novembro faz cinco anos que traficantes entraram em um ônibus, obrigaram todos os passageiros a passarem pela roleta para a parte traseira do veículo. Então os bandidos os banharam com gasolina, atearam fogo e impediram que o motorista abrisse a porta traseira para que as pessoas pudessem sair. Alguns passageiros, mesmo cegos com o fogo e a fumaça, conseguiram pular pelas janelas traseiras quebradas na explosão, com os corpos em chama. Outros não tiveram a mesma sorte.

O crime aconteceu às 22 horas do dia 29. No dia seguinte pela manhã eu voltava da minha caminhada e vi as fotos nas capas dos jornais. Tomei conhecimento do fato e fiquei assustado pois eu havia passado por ali meia hora antes do incêndio, num ônibus, com minha mulher e minha filha.

Cheguei em casa e esqueci dos jornais, do incêndio. Nem pensei no sofrimento dos feridos e dos cinco mortos, até então não identificados.

Recebi, ao chegar em casa, um telefonema de uma sobrinha, pedindo para que eu ajudasse a localizar o nosso tio Luiz, meu vizinho, gerente de um supermercado, que não retornara para casa no dia anterior. Várias pessoas da família estavam procurando em hospitais e delegacias, mas não havia pista sobre sua localização.

Imediatamente as imagens do ônibus incendiado vieram à minha cabeça e eu comentei o que havia acontecido perto dali, na noite anterior:
    Quanto a isso fique tranquila” – falei – “Ele sempre vai de carro para o trabalho”.
    Então ela respondeu, aos prantos: - “Só que ontem ele não foi.”

Meu primo, filho de Luiz, estava no IML. Pediu para ver os corpos das vítimas do ônibus 350 e entre elas reconheceu seu pai por dois detalhes: o relógio, que preservou sua forma, e a cicatriz de uma cirurgia na virilha, pequena parte preservada do corpo carbonizado, por ele estar sentado na hora da sua morte. 

Os advogados das seguradoras também estavam no IML, na tentativa de impedir o reconhecimento oficial dos corpos. Sem a identidade comprovada não haveria pagamentos pelas seguradoras. Conseguimos a comprovação oficial com muita dificuldade, após comparação da arcada dentária com a documentação apresentada pelo seu dentista.
Além de Luiz Antônio Carvalho Vieira, meu tio e amigo, estavam entre os outros quatro mortos uma jovem mãe, chamada Vânia, e sua filha Vitória, de apenas um ano.

Conversei com alguns sobreviventes e ouvi histórias terríveis. Uma jovem informou que, mesmo com o corpo queimado foi recusada em diversas clínicas e hospitais próximos ao local do incêndio, por não haver convênio com seu plano de saúde. O relato mais comovente foi o do marido de Vânia, pai de Vitória, que não conseguiu retirá-las do ônibus e as viu morrer.

No dia seguinte ao crime foram encontrados mortos, no porta-malas de um carro, quatro bandidos que teriam ajudado o traficante Anderson Gonçalves dos Santos, o Lorde, mandante do crime, a executar a ação incendiária. Foram mortos por bandidos de outra facção criminosa que reivindicaram a autoria das mortes por “não concordarem com o terrorismo”. Três pessoas envolvidas cumprem pena em presídios no Rio, inclusive Lorde, condenado a 444 anos de prisão e Sheila Messias Nogueira, que foi acusada, após ser reconhecida, como a pessoa que fez sinal para que o ônibus parasse e que impediu que passageiros saíssem do coletivo.

Esta tragédia aconteceu em um bairro próximo da minha casa, tendo como vítimas algumas pessoas da vizinhança e um parente próximo. A partir daquele momento minha indiferença a estes crimes acabou. Naquela noite, meio desorientado, eu consegui o telefone de Cleyde Prado Maia, mãe da menina Gabriela, morta por bala perdida na Estação São Francisco Xavier do Metrô. Conversamos durante horas e ela falou sobre a dureza da sua luta por justiça. Alertou que era uma hora de decisão. Ela havia transformado seu luto em luta. Não havia mais alegria, repouso e lágrimas.

Com a ajuda de Cleyde e o movimento Gabriela Sou da Paz, promovemos uma manifestação no local do crime e iniciaríamos uma sequência delas. Foram interrompidas após pedido de minha tia, esposa de Luiz, Nossa família se calou dentro de nossa dor e saudade.

Na época, o então Secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, também na condição de porta-voz de sua mulher, a governadora Rosinha Matheus, em seu pronunciamento disse que iria “rezar para que fatos como aquele não voltassem a ocorrer”. O prefeito César Maia nem se pronunciou.

Devido ao grande impacto do fato na sociedade e após muitas notícias e cobranças da mídia, as autoridades passaram a se dedicar na busca dos criminosos.

Espero que as autoridades encontrem logo solução para esta onda de arrastões incendiários, antes que mais famílias sejam duramente atingidas e abandonadas com essas tragédias marcantes em suas vidas.

Na última conversa que tive com Cleyde Prado Maia, numa missa pelo aniversário da morte de Gabriela, ela perguntou sobre minha opção, se eu iria ser um ativista numa luta semelhante à dela. Respondi que minha alegria seria minha forma de resistir e lutar contra a violência.

Cleyde me deu um abraço e desejou que eu fosse feliz. Então eu comprei uma cuíca...

3 comentários:

  1. É, Mauro.

    A coisa está feia mesmo.

    E nós nos sentimos de mãos atadas. Falta mobilização. O problema é complexo e uma solução eficaz será demorada.

    Creio que nem um Estado de Sítio trará de volta o sossego.

    Excelente comentário.
    Parabéns!!

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  2. Pois é tio,

    a situação tá apertada.
    Cada dia mais fico com medo até de ir pra faculdade.

    Só mesmo contando com Deus...
    E que ele esteja conosco.

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  3. É Mauro, só posso pedir que se cuide e cuide dos seus está mesmo difícil, ou vem morar em Vitória.

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