domingo, 29 de setembro de 2013

Ele me deu um beijo na boca e me disse: - A vida é oca como a touca de um bebê sem cabeça - E eu ri à beça


Outro dia eu comentei sobre o bom texto que Pedro Bial escreveu após a morte do Bussunda, e tentei ir além de sua ideia de que morrer é ridículo. Concluí que o ridículo, pra mim, é a expectativa de que as coisas aconteçam como desejadas.
Posso parecer pessimista, mas garanto que tal conclusão a meu respeito é um equívoco. Talvez minha confiança na vida seja tão grande a ponto de eu cometer a loucura – na visão de muitos - de pensar quase nada no futuro.

Nada garante nada. Talvez por isso a paixão pelo futebol seja tão intrigante: Placares injustos acontecem com frequência e marcam as histórias dos campeonatos. De alguma forma ali aprendemos em pequenas doses o que nos traz a vida.
Mas as dores das derrotas no futebol não duram mais que uma semana, e todo mundo sabe disso.
Algumas dores da vida, contudo, duram muito tempo, às vezes por toda a vida. E doem porque, seja pela lógica ou pelo suposto merecimento, acreditamos que a realidade poderia ser diferente do que de fato é.
O que ocorre, na verdade, é que o desejo se sobrepõe à lógica e a falta de informação ou a interpretação errônea da realidade alimenta os sonhos difíceis de tornarem-se reais.
Um ataque cardíaco, por exemplo, pode levar hoje à morte o atleta que até ontem corria pelas ruas, almejando as próximas Olimpíadas. Basta que ele desconheça seu problema no coração e por conta disso espere que um esforço maior lhe traga rendimentos físicos, nunca o óbito.
Tal atleta projetou o futuro contando com a saúde de seu corpo, ignorando a história dele, seus detalhes e seus pontos fracos.
O homem que se aproxima da bela mulher, atraído por seu sorriso e beleza, e obtém gentis respostas às suas perguntas, acaba por desejá-la, se ilude mergulhando na paixão, ignorando seu passado e a história que ela guarda em seu coração, que obstruem a entrada de novas experiências: Amores, desilusões, medos, desejos e esperanças.
Ele não sabe, mas não lhe sobrou espaço. Não vai rolar.

- Mas então, - hão de perguntar - Como viver sem expectativas, como seguir sem sonhar?
 Acredito ser eficiente viver o que diz a música de Almir Sater, Tocando em Frente, ou o conselho da peixinha Dori, da animação Procurando Nemo:

- Quando a vida decepciona, qual é a solução? - perguntou Dori.
- Não sei qual é a solução! - Disse o pai de Nemo.
- Continue a nadar! Continue a nadar! Continue a nadar!
Com a prática vai-se descobrindo que isso traz leveza, talvez porque, vivendo em tal atitude, consegue-se – por tornar-se necessário - jogar fora o peso do passado inútil, que carregamos o tempo todo por conta da intenção velada de lançarmos mãos dele nos momentos em que desejarmos pensar no futuro, devido à necessidade - que teimosamente criamos - de buscar segurança.

E em busca desta inalcançável segurança, nós aprisionamos o futuro sem dar a ele a chance de cumprir o seu delicioso e fundamental papel de nos surpreender.




Tocando Em Frente

 (Almir Sater)

Ando devagar por que já tive pressa
E levo esse sorriso por que já chorei demais
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe,
Só levo a certeza de que muito pouco eu sei
Nada sei.

Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir

Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando dias pela longa estrada eu vou
Estrada eu sou.

Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir.

Todo mundo ama um dia todo mundo chora,
Um dia a gente chega, no outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz.

Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir.

Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais
Cada um de nós compõe a sua história,
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz.

Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Para abraçar meu irmão e beijar minha menina na rua, é que se fez o meu lábio, o seu braço e a minha voz


Depois de dias sem encontrar uma grande amiga, sentindo saudades, peguei o telefone e... Whatsapp! Mensagens de texto:

 - Posso ligar pra você?

- Lóóóóógico!

Repetindo: Eu estava com saudades, há dias sem encontrar... minha AMIGA! Amigona! Dessas que a gente vira a noite rindo de barriga, falando bobagens, falando de sentimentos e da alma. A amiga que a gente deve procurar quando está triste, pra quem a gente deve correr para o abraço quando está alegre. Caramba, pra quê o Whatsapp?
Encontrei uma séries de justificativas: - Ela poderia estar em um momento importante de trabalho, ou poderia estar no teatro, cinema, médico, namorando... Não queria atrapalhar...

Por trás de tudo isso a  justificativa que melhor parece explicar a mensagem de texto: O hábito contemporâneo do agendamento.

Fato: Eu enviei uma solicitação para agendar uma ligação. Caso não pudesse ser encaixado imediatamente, aguardaria resposta indicando data e hora (Ela, minha amiga dos porres e das gargalhadas. Minha amiga do coração).
Por que agendar? O “lógico” de sua resposta, com todos os onomatopeicos “ós”, indicou-me o quanto tal agendamento era absurdo, trouxe na memória momentos nos quais mensagens de texto substituem o calor da voz, assim com outros em que formalidades congelam a sinceridade e o abraço.

O padrão de aviso de demissão atualmente utilizado nas empresas:
"- Senhor funcionário, convocamos esta reunião para informar que a partir de hoje não é mais do interesse da empresa mantê-lo como nosso colaborador.” - Já foi usado comigo, com algumas adaptações, para o término de um relacionamento. A sensação de estar sendo demitido foi, acreditem, o pé na bunda mais eficiente que já recebi! Saí sem aviso prévio pra nunca mais voltar.
Houve com outra amiga (espero que assim ainda me considere), carência de conversa importante que nunca aconteceu. Não por falta de tentativas, via SMS, de marcar o papo. Tal conversa foi abortada definitivamente após minha derradeira e ousada ligação via celular, sem agendamento, no início de uma tarde de domingo, quando ouvi do outro lado da linha uma voz destruidora, num sussurro com desejo de matar:
- Eu não acredito que você me acordou!

Há outros casos semelhantes, mas o que desejo é definir minha estratégia, meu movimento neste jogo. Assim, pra encurtar conversa tão longa e não previamente combinada, cito o que acabei de ler de Pablo Neruda:

“Se sou amado
quanto mais amado
correspondo ao amor.
Se sou esquecido,
devo esquecer também.
Pois amor é como espelho:
- tem que ter reflexo.”

Então deixarei sempre ligado meu celular. Dispenso agendamento, não importa a hora. Precisou, desejou, sentiu saudades, me amou ou quis me xingar, digite meu número e a gente se fala. Se por algum motivo eu não atender na hora, pode ter certeza do retorno. É como espelho.
Obrigado Neruda!

domingo, 8 de setembro de 2013

Tudo vai bem, tudo legal: Cerveja, samba... E amanhã, seu Zé, se acabarem com o teu Carnaval?


Helicópteros nos céus, batalhões de choque nas ruas, bombas sobre manifestantes. Correria e fuga.
Assim estava Laranjeiras no Dia da Pátria, quando já ia tarde a tarde.
Incrivelmente a Praça São Salvador manteve-se ilhada. Sem manifestantes, sem batalhão de choque, sem explosões e medo.
Nós, poucos, após conversarmos sobre o contraste das situações vizinhas, decidimos fazer nossa roda de samba, mesmo sabendo que aqui teríamos samba e alegria e ali, lágrimas e revolta.
Se cometemos um pecado ao sambar, que a culpa tenha sido pequena. Precisamos da alegria do nosso samba que é também nossa forma particular de manifestação e resistência contra a opressão que há anos sofremos por parte da Prefeitura do Rio de Janeiro.
Sei que as mesmas Marias e Clarisses que choram no solo do Brasil são também quem sobre ele sambam suas alegrias, na corda bamba de sombrinha, mesmo sabendo que podem se machucar.
Manoel Jorge, voz do Batuque no Coreto ao microfone, nos levou a cantar, em homenagem aos manifestantes que preferiram gritar a sambar naquele dia, a música Comportamento Geral, de Gonzaguinha.
Bela lembrança, belo momento. Perdemos o ritmo, mas encontramos as vozes. Cantamos para todos. Cantamos para nós, só para pensar que:


Nem todos os brasileiros estão indignados com os rumos do Brasil.
Nem todos os indignados com os rumos do Brasil são manifestantes.
Nem todos os manifestantes tem uma razão única motivadora que lhes levam às ruas.
Nem todos que estão nas ruas são manifestantes.
Nem todos que se manifestam escondem seus rostos.
Nem todos que escondem os rostos são manifestantes.
Nem todos manifestantes que usam máscaras são vândalos.
Nem todos vândalos escondem seus rostos com máscaras.
Nem todas as máscaras escondem rostos de vândalos.
Nem todos que se calam são covardes.
Nem todos covardes estão calados.
Nem todos mascarados são covardes.
Nem todos que usam preto são vândalos.
Nem todos que usam branco são de paz.
Nem todos que tacam pedras são vândalos.
Nem todos que gritam palavras de ordem tem coragem.
Nem todos que cantam o amor são dóceis.
Nem todos que se manifestam são bem informados.
Nem todos os bem informados pensam por si.
Nem todos os carnavais são de máscaras.
Nem todas as máscaras são de carnavais.
Nem todos que cantam samba são alienados.
Nem todo carnaval é uma máscara.




Comportamento Geral
(Gonzaguinha)

Você deve notar que não tem mais tutu
e dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
e dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que está desempregado
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?
Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre: "Muito obrigado"
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve pois só fazer pelo bem da Nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um Fuscão no juízo final
E diploma de bem comportado
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
E um Fuscão no juízo final
Você merece, você merece
E diploma de bem comportado
Você merece, você merece
Esqueça que está desempregado
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal

domingo, 1 de setembro de 2013

Na aba do meu chapéu, você não pode ficar. Meu chapéu tem aba curta você vai cair e vai se machucar

Última noite de agosto. A roda de samba desde o início dava sinais que seria especial.
Duas violas, um cavaco, uma cuíca, cinco tamborins, três pandeiros e um par de caxixis. Ausência de tantãs ou surdos para a marcação. Ah, desculpem-me! Havia também “o cajon”!
Primeiros raios de luar e Manoel Jorge entoou, como primeira música, “Trenzinho Caipira”, de Villa Lobos. A Praça se transformou: Quem estava longe se aproximou. Os que estavam por perto entraram na roda para ouvir. Quem já estava na roda começou a bailar.
Entre tantos, chegaram, cada um de seu lado, dois personagens que escreveram a história da noite.
Com a vinda de um deles a segunda música não poderia ser outra: Anunciando que “Chegou a Bonitona”, os olhos do Cantor da Voz Aveludada brilhavam com o reflexo dos ornamentos, que, segundo a língua do povo, são frutos da furtada e derretida Taça Jules Rimet, desaparecida há trinta anos da sede da CBF, agora na Praça São Salvador.
Outros olhos também brilharam. Do outro extremo da roda de samba, o lendário Haroldo retornava em grande estilo. Ao invés das joias e brilhos, chegou Haroldo, fosco de sujeira. Sobre suas costas, como uma grande capa, um cobertor igualmente imundo.
Desta vez, diferente de tantas outras em que esteve presente ao samba, Haroldo não ficou em torno da roda, circulando. Encontrou um banquinho perfeito para ele, pois atrás do banco havia um poste, onde se encostou e ficou, ao som das melodias, curtindo o visual da incansável e reluzente bonitona, que em momento algum parou de dançar no meio da roda.
Lá pela décima música, talvez por algum gingado especial da nossa atual musa, Haroldo sentou-se ereto. Parecia que todo o álcool por ele ingerido havia desaparecido subitamente de seu organismo. Encarou a bonitona, fixou o olhar em seus olhos e, atento, fazia um gesto com a mão toda vez que os olhares se cruzavam. Completava o gesto com um charmoso “vem”.
A dançarina, indiferente, preferiu dançar com outros. Haroldo, contrariado, voltou a se encostar no poste e adormeceu.
Nove da noite. Manoel Jorge lembra que é importante “correr o chapéu”. Disse o cantor: - ...Pois temos que pagar o rapaz que carrega toda esta tralha (apontou para os bancos e equipamento de som), fazer reparos nos aparelhos, etc. Bastam dois reais de cada um! - Adivinhem quem correu o chapéu pela roda, com todo o seu poder de sedução? Ela, a nossa bonitona.
Os amigos da roda de samba, entre eles muitos que ali estavam pela primeira vez, foram generosos e, encerradas as doações, verificamos que nos renderam mais que as do Criança Esperança, que tentava concorrer conosco na telinha da Globo. O chapéu foi colocado sobre a mesa, diante do Manoel e do Átila, transbordando de cédulas de dois reais.
Haroldo despertou. Seus olhos voltaram a brilhar, mas desta vez não era pela mulher que bailava diante dele. O objeto de desejo era outro. Lentamente levantou-se, olhou em volta, parecia curtir a participação e o envolvimento das pessoas que cantavam, acompanhando Inês e Manoel em “Água de Chuva no Mar”.
Todos distraídos, menos Haroldo, que se encaminhou passo a passo, embora sem cerimônia alguma, até o recheado chapéu, pinçando uma nota de dois reais com os mesmos dedos com os quais horas antes tentava atrair a bonitona.
Sorrateiramente se retirando foi interpelado pelo nosso atento cantor, que diante rápida negociação, cujos termos jamais saberemos, trocou a nota pinçada do chapéu por uma de seu bolso. Dai ao samba o que é do samba.
Beleza pura! 
Morango ao leite!
Mamão com açúcar!