Uma das coisas que acho mais geniais em Chico Buarque é a capacidade de lidar com a lógica das palavras, com as figuras de linguagem, com a construção dos textos.
Eu gostaria de ter tal habilidade, de conhecer os vários significados de cada uma das palavras e tê-las à minha disposição. Ao contrário, percebo que tenho pouco conhecimento da nossa língua e volta e meia me expresso muito mal.
Outro dia percebi que eu havia criado um “dicionário ultra-personalizado” com palavras da língua portuguesa para uso extremamente pessoal e intransferível. O que significa, em termos de comunicação, o mesmo que “inútil”.
Se a gente pensar bem, a coisa não é mesmo fácil. O nome da cor verde, por exemplo:
“De repente
me lembro do verde
da cor verde
a mais verde que existe
a cor mais alegre
a cor mais triste
o verde que vestes
o verde que vestiste
o dia em que te vi
o dia em que me viste
De repente
vendi meus filhos
a uma família americana
eles têm carro
eles têm grana
eles têm casa
a grama é bacana
só assim eles podem voltar
e pegar um sol em Copacabana”
(Verdura, Caetano Veloso)
O verde (deixemos de caetaneagens) guarda em si todos os tons de cores que conhecemos, parecidos com um verde qualquer que temos como referência em nossa mente. Pessoal e intransferível, portanto.
Quando eu digo: “Estou encantado por você, com a serenidade que me transmite.”, quero dizer que não estou apaixonado, pois eu rejeito as idéias que acompanham a palavra paixão.
Em quase todos os significados desta palavra há uma ligação com o sofrimento. Se eu sinto um grande afeto, se me delicio em olhar, ouvir, lembrar e falar, eu não posso estar apaixonado! Não há sofrimento algum no que sinto! Substituo, então, a palavra paixão pela palavra encantamento.
Errado!
Estar encantado é ser vítima de feitiço, bruxaria, ou na melhor das hipóteses, sofrer de uma tentação irresistível. Se o que sinto traz serenidade, não pode ser irresistível, não pode me desequilibrar. Sentiu a dificuldade?
Qual a palavra, então? Amor?
Eu vejo o Amor como um deus. Não sentimos e deixamos de sentir amor, assim como não sentimos e nem deixamos de sentir Deus. Eles (e no fundo são a mesma coisa) existem, e nós, existimos dentro deles. A gente, no máximo, percebe amor, percebe Deus. Sacou? Não?
Vou tentar um exemplo da Física (Sim, eu também adoro Física!): A Terra, este lugar que a gente aos poucos está destruindo por não perceber que ele, tal como nós, faz parte de Deus, gira numa velocidadezinha de quase 1.700 quilômetros por hora!
De novo: Enquanto a ponta do ponteiro maior do teu relógio dá uma volta, sai do número 12 e para o número 12 retorna, a gente está percorrendo, num movimento circular em torno do eixo da Terra, mil e setecentos quilômetros.
- Puts! Tá sentindo a adrenalina? A genteeee táaaa roooodaaannndooooo! Percebeu?
Não? Nem eu. Não dá.
O Newton disse, já faz um tempão, que a gente percebe movimento de acordo com o referencial. Quando a gente está dentro de carro em movimento, a sensação que a gente tem é que os postes, as casas e as árvores estão "correndo para trás". Mas a namorada que está no banco ao lado “não sai do lugar”.
Entendeu a questão do referencial? Eu, do meu ponto de vista, vou para o samba com minha cuíca parada, no banco do carro, ao meu lado. Vejo lá fora, numa esquina, uns vizinhos por quem passo e deixo para trás. Os mesmos vizinhos comentam: - Este cara não para! Ele vive correndo com esta cuíca pra lá e pra cá! – É a Teoria da Fofoca Relativa.
Chega. Não consigo explicar! (Na verdade eu entendo o que falo, mas você não. Eu consigo explicar. Você que não consegue entender!). – É a Teoria da Culpa Relativa.
Vou resumir:
* A gente é parte de Deus, Deus é parte de nós e a gente não percebe.
* A Terra está girando e a gente é parte da Terra e não percebe.
* O amor está em nós e nós estamos no amor, e a gente não percebe.
Não quero mais sentir paixão, nem encantamento. Quero dizer: -“Eu amo você!”
Amar “você” é perceber que amo a Terra, amo Deus, amo Tudo.
"...Eu vou calar
Pois não pretendo amor te magoar"
Pois não pretendo amor te magoar"
(Tive Sim - Cartola)
Amar. Verbo sempre transitivo, sempre direto. Muito diferente do meu papo e dos meus olhos tímidos, querendo evitar demonstrar o que não tem mais jeito, e nem nunca terá...
Mauro Sá
Pode até não gostar da palavra, mas acho que está "APAIXONADO". Me conta!!!
ResponderExcluirbeijão
Contar você? Fácil! Uma... Só. Única! A Lau.
ResponderExcluirNem da palavra, nem da idéia! "Chego a mudar de calçada quando aparece uma flor, e dou risada de um grande amor!..."
(Samba do Grande Amor - Chico Buarque)
Tio, você é genial.
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