quinta-feira, 14 de abril de 2011

Hoje Tem Festa no Céu

Antes a festa era aqui. Dia 14 de abril de 1932 foi o dia que meu pai nasceu.

Pai de sete filhos, ele era um homem incomum. Vibrava com coisas alegres, com as manifestações das grandes massas. Era intenso com as coisas que agregava à sua personalidade, e quem o conheceu não consegue desvinculá-lo das coisas que ele amava.

O Salgueiro, por exemplo: Quem conheceu o Sazão deve dele se lembrar  quando vê a Academia entrar na avenida. Ele era tomado de uma emoção, um misto de nervosismo e euforia, e quase sempre se transformava numa pitada de decepção, nas derrotas. Sua teoria: 
- “O Salgueiro tem que vir com tudo, embalado. Se vier morno, certinho, não arruma nada!”

O mesmo acontece com o Flamengo. Cada título, goleada ou até mesmo as poucas tristezas remetem à memória do meu velho: Ah, se ele estivesse aqui!

A dedicação chegava ao máximo nas suas relações com a profissão. Militar exemplar, vibrava com a história do Exército Brasileiro e se orgulhava tanto que não admitia, durante os anos 70 e 80, nossas críticas ao regime autoritário ao qual ele chamava “Revolução”. Aliás, a sua admirável inteligência parecia enrigecer quando o assunto era política. Ele se fechava em “sua defesa” que não havia argumento nem evidências que provassem o quanto tudo aquilo poderia ser ruim para o povo e o país. 

Era intolerante com o socialismo, o comunismo, o Lula e o Partido dos Trabalhadores. Mas ninguém era mais rejeitado por ele que Leonel Brizola.

Meu pai era duríssimo quando criticava algo ou alguém. Extremamente eficiente com sua acidez e sarcasmo. O pessimismo em suas previsões em relação a algumas coisas, nas quais nossa juventude nos levava a apostar todas as fichas, nos entristecia, e pior, geralmente essas previsões eram dolorosamente confirmadas.

Aí um lamento: Pena meu pai ter escolhido mal as palavras e a forma de expressar suas preocupações. A gente se sentia desafiado e quase sempre ousava a fazer o que ele tentava evitar com seus alertas. Até hoje ainda sofro algumas consequências de não ter dado ouvidos a muitas coisas que ele alertou, a muitos de seus “preconceitos”.

Eu não entendia, por exemplo, quando ele dizia, em tom de crítica, que eu era muito “poeta”. O tom me irritava, a palavra me agradava. E por ser muito “poeta”, preferi assumir a parte que mais me agradava e ignorei a que me irritava. Continuei me sentindo poeta na minha forma de ver a vida.

Outro dia minha terapeuta disparou a palavra “pueril”, que me remeteu ao meu pai e esse chamar-me de “poeta”:

Era esta, provavelmente, a palavra que meu pai tentava utilizar para me abrir os olhos em relação à minha postura diante do mundo. Eu não sou poeta, nem bonzinho, nem tolo. Tenho apenas uma visão pueril do mundo, por achar e rejeitar as realidades da vida adulta: Duras, feias, tediosas demais.

Assim, sem ouvir meu pai, cerquei-me de um mundo perfeito, do qual a violência, a deslealdade, o egoísmo, o mau-humor, a tristeza e a dor ficavam do lado de fora. As mágicas fronteiras deste mundo permitiam que muitos o frequentassem, mas poucos o habitassem.

Há alguns anos meu pai faleceu. Ele não viu a queda do meu mundo de poeta, não se estalou, chateado, ao constatar que estava certo e que eu não lhe dera ouvidos. Ele não gostaria de ter visto, não ficaria feliz por ter razão. Talvez nem percebesse que há algo positivo em toda queda, em todo fim, em toda morte: É o reconhecer, levantar a poeira e dar volta por cima.

Mas ele iria sim, ficar encantado ao conhecer meus novos amigos, saber das coisas que faço e que me dão prazer. Adoraria os sábados à noite da Praça São Salvador, e até mesmo as cuícas da Beija-Flor, que, diria ele, "ficariam perfeitas no Salgueiro".

Seus olhos brilhariam como aconteceu quando assistimos abraçados, com os pés literalmente na lama, ao show do Queen (que ele detestava quando eu ouvia os discos) no Rock in Rio de 1985. Ele era assim. Gostava de grandes espetáculos e dava uma aula de narrativa quando tinha oportunidade de descrevê-los para quem não tivesse a sorte de tê-los vistos.

O velho Sá resumiria em uma expressão, orgulhoso e ao mesmo tempo resignado, vendo o seu Salgueiro que errou e depois a Beija-Flor, com seu filho na primeira fila da bateria, ganhando o carnaval:

- A Beija-Flor estava “alinhada”!

Estar alinhado para ele era muito. Ele era assim e queria que seus filhos também fossem: Corretos, firmes, elegantes. Alinhados.

Desculpe a decepção, pai. Tento ser correto, o que me traz firmeza. Nem de longe sou elegante como você era. Hoje me dedico a tentar ser menos pueril (era essa a palavra?) e muito,
muito mais poeta.

Deus lhe abençoe, meu pai. Parabéns!

4 comentários:

  1. Seu Sá é uma pessoa maravilhosa e abençoada e tenho certeza que de onde ele estiver estará sentindo muito orgulho do filho poeta que tem.
    Abraços
    Mônica

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  2. Obrigado Mônica! Ainda hoje comentei sobre a admiração que ele sentia por você.
    Abração!
    Mauro

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Olá,
    Nós do Laboratório de Comunicação Integrada da UERJ (Antigo Escritório de Relações Públicas) estamos atualizando os dados cadastrais dos ex-alunos da Faculdade de Comunicação Social. Gostaríamos que você nos enviasse seu email e telefones para: lci.uerj@gmail.com

    Pedimos desculpas por estar fazendo esse pedido através do seu blog, porém essa foi a única forma de contato que encontramos.

    Atenciosamente,

    LCI - Laboratório de Comunicação Integrada
    DRP - Departamento de Relações Públicas
    FCS - Faculdade de Comunicação Social
    UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
    Tel: (21)2334-0556/2334-0817

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