quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Como É Grande Meu Amor Por Você (meu texto idem)

Recebi um comentário sobre a última postagem, “Não Paguem o Resgate! Eu Consegui Fugir! ”, pedindo que eu explicasse o que eu quis dizer quando citei Cazuza, na letra da música “Todo Amor Que Houver Nessa Vida”, quando ele diz:

“Eu quero a sorte de um amor tranqüilo
Com sabor de fruta mordida” (...)

Como “quem percura acha”, senta que lá vem explicação!

Alterei a letra, ao falar do amor que desejo, esperando que seja tranqüilo, mas sem o sabor de fruta mordida.

Interpretar textos líricos é fácil. Difícil é determinar como correta e definitiva uma única interpretação. Carlos Drummond de Andrade disse, em 1981, que seria reprovado no vestibular no qual um de seus textos foi utilizado para ser interpretado. Ele não concordou com o “gabarito”.

O que mais gosto de textos assim é exatamente essa capacidade de ter múltiplas interpretações. Algumas vezes o poeta possui em seus segredos o significado de seus textos. Em outras, ele usa das palavras para gerar, conscientemente, tal multiplicidade.

Um exemplo sensacional é Samba do Grande Amor, de Chico Buarque, que volta e meia freqüenta as páginas do Batuque Meteórico:

Tinha cá pra mim
Que agora sim
Eu vivia enfim
O grande amor
Mentira
Me atirei assim
De trampolim
Fui até o fim um amador
Passava um verão
A água e pão
Dava o meu quinhão
Pro grande amor
Mentira
Eu botava a mão
No fogo então
Com meu coração de fiador

Hoje eu tenho apenas
Uma pedra no meu peito
Exijo respeito
Não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor
Mentira

Fui muito fiel
Comprei anel
Botei no papel
O grande amor
Mentira
Reservei hotel
Sarapatel
E lua de mel
Em Salvador
Fui rezar na Sé
Pra São José
Que eu levava fé
No grande amor
Mentira
Fiz promessa até
Pra Oxumaré
De subir a pé o Redentor

Hoje eu tenho apenas
Uma pedra no meu peito
Exijo respeito
Não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor
Mentira

Chico Buarque, um dos Magos das Palavras, descreve uma sequência de atitudes tomadas após encontrar um novo amor.

Em diversos momentos do texto ele insere a palavra “Mentira”, o que gera toda a dúvida: O que é mentira? As ações que diz ter realizado? As impressões que teve? Ou a palavra “mentira” entra no texto como um resmungo, um lamento, durante a narrativa? Culmina quando ele diz que “chega a mudar de calçada, quando aparece uma flor, e dá risada do grande amor” e encerra com uma última, definitiva e enigmática repetição da palavra “mentira”, num tom que sugere decepção... ou deboche!

Agora vamos lá, sejamos justos com o Cazuza: A letra de Todo Amor Que Houver Nessa Vida é show de bola:

Eu quero a sorte de um amor tranqüilo
Com sabor de fruta mordida
Nós na batida, no embalo da rede
Matando a sede na saliva

Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum trocado pra dar garantia

E ser artista no nosso convívio
Pelo inferno e céu de todo dia
Pra poesia que a gente não vive
Transformar o tédio em melodia

Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum veneno antimonotonia

E se eu achar a tua fonte escondida
Te alcanço em cheio, o mel e a ferida
E o corpo inteiro como um furacão
Boca, nuca, mão e a tua mente não

Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum remédio que me dê alegria


Ao descrever o amor que deseja (deseja não, Ele quer!), Cazuza promete uma entrega total, mas cobra, ao mesmo tempo, uma parceria auto-sustentável. Nada a procurar fora dela:
Ser teu pão, ser tua comida, Todo amor que houver nessa vida. Matar a sede na saliva.

Ter o poder de satisfazer todas as necessidades e, para fugir de inevitáveis insatisfações vindas da rotina, sugere que tenham algum trocado para dar garantia, algum veneno antimonotonia, algum remédio que lhe dê alegria.

No mais, o amor proposto é com muita transa (na batida, no embalo da rede), a busca da poesia no cotidiano (pra poesia que a gente não vive transformar o tédio em melodia).

E manterá a pessoa amada praticamente como refém, quando lhe descobrir os segredos (E se eu achar a tua fonte escondida). Saberá extrair o mel, mas também cutucar a ferida. Aí, tenta imaginar a posse total, mas sempre esbarra na possibilidade do abandono, fragilidade que lhe entristece, por não poder possuir, controlar, impedir os pensamentos do outro (a tua mente não).

O amor do Cazuza, belo, a princípio, e forte, sem dúvidas, é, no entanto, possessivo e egoísta. Longe da inocência, tem o sabor de fruta mordida (é o pecado bíblico ou é um foco sensual, por exigência imediata)

O amor que eu desejo, e que acredito vir a tê-lo apenas por sorte, terá, certamente, traços de egoísmo, por eu ser humano, demasiado... (quem me conhece complete as reticências). Mas, até por uma estratégia egoísta, deverá ter o mínimo de desejo de posse, de domínio. A sensualidade será natural. Estará mais de acordo com Rita Lee:
“Baila comigo, como se baila na tribo.”

Minha gente, a regra é clara (diria Arnaldo César Coelho): Nas relações humanas o toma lá dá cá é inevitável. Se eu cobro lealdade terei que ser leal. Se eu quero entrega terei que me entregar. Se desejo companhia terei que acompanhar...

“São as trapaças da sorte, são as graças da paixão”:

A prisão é inevitável. Fim da liberdade.

Todo santo dia ela ia
Ela ia lá me chamar
Pra dançar coco
À beirada da saia querendo rodar.

Pelo jeito dela
Pelo dengo, pela simpatia
Se eu caio na roda
Essa moça pode me segurar.

Aí ela vai querer que eu deixe de ir pro samba
Aí ela vai querer que eu não vá na ciranda de Lia
Aí ela vai querer que eu não saia de perto dela
E eu olhando pra beira da saia querendo rodar.

Ah, se eu vou.

(Lula Queiroga)

Sim, eu quero a sorte de um amor tranqüilo. Tão tranqüilo a ponto de viver dentro dele e manter as liberdades, minha e da mulher amada.

Amor assim não se conquista, se descobre. A diferença entre conquistar e descobrir é que na conquista há luta, há vencedor e vencido. Alguém tem que ceder. Geralmente os dois. Na descoberta tudo está completo, tudo é paraíso.

Utilizando as Américas como exemplo, podemos dizer que Pedro Álvares Cabral descobriu o paraíso. Leia a carta de Pero Vaz de Caminha e confirmará:

(...) “A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos...”

"(...) Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas.”

(...) “Pois aqui, em se plantando tudo dá!”.

Já Francisco Pizarro, o espanhol, conquistou o paraíso.
E transformou-o em um inferno, exterminando o Império Inca.

Outro dia descrevi a probabilidade de viver meu amor sonhado: É a mesma de eu encontrar duas penas flutuando levemente, juntas, lado a lado, como numa dança, ao sabor dos ventos da liberdade.

Eu já vi algumas penas flutuando, mas nunca duas juntas, em tamanha harmonia.

Quem sabe meu Bom Deus, um dia, possa-me conceder tal graça?

É a tal fruta madura que cairá sobre quem pacientemente a aguarda, embaixo ou em torno da árvore, sem fazer esforços para arrancá-la prematuramente do pé, que falei na postagem em referência, sobre a qual me pediram explicação.

Como diria Beto: Sim, todo amor é sagrado.
Como diria Arlindo: Sim, o amor é lindo!

Tá explicado?

Mauro Sá

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