sábado, 23 de julho de 2011

Tanta escuridão pode tornar em vão a luz que acendeu fora de ocasião

Outro dia, na Praça São Salvador, eu e uma amiga travamos um curto diálogo após minha recusa em aceitar a caipirinha que ela me oferecia:

- vai dirigir? – perguntou.
- Não. É que hoje eu estou curtindo minha lucidez.

Acontece algumas vezes. É que eu tenho consciência que existem muitas coisas capazes de interferir no meu mais amplo raciocínio. Algumas delas são bem mais dissimuladas ou ocultas que caipirinhas, mas acrescentar a estas coisas alguns mililitros de cachaça no momento errado é pedir para cair numa cilada.

Estados emocionais como paixão, encantamento ou ciúmes são craques nisto. A gente fica meio bobo quando está encantado por alguém. Se o encantamento atinge a fase da paixão, aí mesmo é que o discernimento fica comprometido.

Contudo, encantamento e paixão dão barato, geram a maior onda. É bom sentir enquanto dura a festa. Quando termina é que vem a pancada: A ressaca é igual a um trator te atropelando. Quase óbito.

Aí tem que ficar inventando artifícios para sobreviver. Tenta esquecer, tirar da cabeça. Mas a única coisa que consegue esquecer é da velha lição que diz que só o vagaroso tempo é quem vai curar a maldita saudade dos tempos da alegria.

Pior quando a gente acha que está curado, inteiro, pronto para outra e do nada sente no ar um perfume que lembra o cheiro dela, ou encontra na memória da câmera uma foto, um retrato da flor. Dizem que a gente vive e morre uma só vez. A exceção é quando se morre de paixão: A gente morre varias vezes e ainda vira masoquista, igual criança que não sabe nadar quando vê um “toboágua”: Quer voltar para morrer de novo.

Outra noite eu cheguei cansado e decidi dormir cedo. Fiquei procurando algo para ler e acelerar a chegada do sono. Peguei um livro que desejo reler há anos. Abri e li na última página:

"(…) tudo o que estava escrito neles era irrepetível desde sempre e por todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra”.         
(Cem Anos de Solidão – Gabriel García Márquez)

A frase do livro se ligou a outra, que me veio à lembrança:

“Quero te contar um segredo agora. Eu vejo gente morta, andando por aí como gente comum. Uma não vê a outra. Elas só vêem o que querem ver. Não sabem que estão mortos. Estão em toda parte.”
(Coler Sear, o menino do filme O Sexto Sentido)

Eis aqui outras características dos que morrem de paixão: Eles também só vêem o que querem ver. E estão por toda parte.

Conclui que devo fazer parte das estirpes citadas em “Cem Anos de Solidão”, pois pessoas, coisas e oportunidades por mim perdidas são sempre, por mais que eu tente remover montanhas por elas, inevitavelmente irrecuperáveis.

Deitei e dormi feito pedra. E curti isto.

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